[ANTONIO NÓBREGA – projeto acervo]

Venho acompanhando a carreira de Antonio Nóbrega há cerca de cinquenta anos, como amigo e como eventual parceiro de criação artística. E também como admirador espontâneo de qualquer trabalho onde se envolvam certas formas de arte que me são caras, como a cantoria de viola, o romanceiro popular nordestino, o frevo, o maracatu, o coco, o teatro de mamulengos, os músicos de rua, os folguedos religiosos e profanos.

Veio daí o magnetismo que me fez seguir de perto esse trabalho, agora documentado por um levantamento amplo e criterioso do arquivo sobre os espetáculos cênicos e musicais de Nóbrega, e dos artistas que o têm acompanhado neste percurso.

Desde que entrou para o Quinteto Armorial criado por Ariano Suassuna, lá nos começos da década de 1970, Nóbrega tem percorrido esse caminho múltiplo, abrindo numerosos canais de arejamento e de comunicação entre a arte erudita e a popular. Um trabalho que muitas vezes é ingrato, pelos preconceitos e mal-entendidos que cercam esses dois rótulos.

Transferindo-se do Recife para São Paulo, e dando início a uma carreira solo, ele abriu várias frentes de batalha por onde penetravam, em cada brecha, torrentes represadas de expressão popular na dança, na melodia, na instrumentação, na mímica, na arte da máscara, dos bonequeiros, na arte do recitativo, da contação de histórias... A criação do Teatro Brincante, na Vila Madalena, veio cristalizar de maneira concreta essa sua luta.

Uma grande parte desse trajeto está contada neste acervo que agora se abre à consulta pública. Um arquivo que não cobre apenas a carreira de um artista, mas o processo gradual de absorção mútua entre muitas correntezas criativas. A cançoneta popular e a música de conservatório. O humor radiofônico e a literatura de cordel. O romance regionalista e a toada sertaneja. O melodrama de picadeiro circense e o bumba-meu-boi. O passo-do-frevo e o repente.

O trabalho de Nóbrega impôs desde o início um respeito que o preservou em centenas de entrevistas, críticas, artigos, ensaios... Textos escritos por pessoas a quem não passou despercebida a existência desse terreno devoluto na cultura nacional, esse espaço imenso a ser preenchido por quem, escapando ao poder de atração do seu lugar de origem (fosse a escola de música ou a calçada do mercado) tivesse disposição para tornar-se posseiro de uma imensa região livre do espírito brasileiro.

Dizem por aí que, se um jornal de hoje tem valor 10, um jornal de ontem tem valor zero, e um jornal de quinze anos atrás tem valor mil. Por que? Porque nos dois primeiros casos vemos o jornal apenas como o espelho efêmero de um presente que, mal o enxergamos, já passou. E só no último caso é que podemos vê-lo como um dos poucos (e às vezes o único) registro de um passado hoje irrecuperável. Daí esse valor, que não cessa de crescer com o passar do tempo.

Para um artista, décadas de uma relação longa com a imprensa criam uma galeria de reações às suas obras, reações que nos mostram como elas foram recebidas no momento em que surgiram, e como uma reputação se consolidou. E isto gera um acervo aberto a consultas eventuais e a estudos aprofundados de quem pesquisa a cultura brasileira deste último meio século. Do incessante diálogo do Brasil consigo mesmo. Da incessante negociação entre artistas que, vindos de “planetas” distantes, com apenas um dia de convivência já se olham com menos desconfiança, e com mais admiração e respeito. Da enorme conversa brasileira, este murmúrio de Cultura que mantém vivo o Brasil, e que Antonio Nóbrega alimenta há tantos anos com sua energia, sua inspiração e seu exemplo.

Bráulio Tavares

O Projeto

Durante décadas, Antonio Nóbrega protagonizou diversas entrevistas, reportagens, críticas e depoimentos, e sua obra foi foco de atenção de pesquisadores das mais variadas áreas: música, literatura, antropologia e história são alguns campos que cruzam e entrecruzam o legado de Nóbrega, contribuindo para ampliar o conhecimento geral sobre as manifestações da cultura popular no Brasil. O registro e centralização de sua obra, são um projeto ambicioso que propõe a digitalização de cerca de dois mil documentos de sua Fortuna Crítica.

Mais do que um banco de dados aberto, de extrema importância para pesquisadores e estudiosos da cultura brasileira, o projeto eterniza parte da trajetória do agente nacional, mestre em reinterpretar as ricas expressões culturais brasileiras.

A “afortunada crítica” da trajetória de Antônio Nóbrega é o fio condutor para uma narrativa sobre a identidade e suas múltiplas expressões artísticas. O resultado dessa pesquisa nos trará uma linha do tempo que trata da imersão do artista nas potencialidades das expressões populares no campo artístico.

No início de 2022, o projeto “Acervo da Fortuna Crítica: a trajetória artística de Antônio Nóbrega” foi contemplado pelo Edital ProaC LAB - Prêmio Artista Musical, em que se propôs as seguintes etapas de trabalho:

Curadoria

Com orientação e participação ativa do artista Antônio Nóbrega no processo curatorial, foram selecionados cerca de dois mil documentos de maior relevância entre os vários milhares que compõem o acervo sobre sua obra;

Higienização e Desmetalização

Para a manipulação e digitalização segura, tanto no tocante à integridade física dos materiais quanto à saúde dos profissionais envolvidos, foi realizado o procedimento de higienização mecânica com trinchas para limpeza de sujidades, e o processo de desmetalização para a retirada de grampos metálicos, evitando ferrugem.

Organização

Os documentos selecionados na etapa de Curadoria integram um sistema de organização com base em normas arquivísticas, visando a facilidade de acesso e localização dos materiais.

Acondicionamento

Antes, a documentação estava precariamente acondicionada em pastas e caixas feitas de materiais acidificados, em condições ambientais desfavoráveis à sua conservação. Portanto, foi acondicionada em capas de papel neutro e realocada para caixas poliondas higienizadas devidamente identificadas no sistema de organização, garantindo uma maior durabilidade.

Banco de Dados

Com objetivo de disponibilizar ao público pesquisador, foi criado e implementado um Banco de Dados com campos de busca específicos para os tipos documentais selecionados na etapa de Curadoria, de forma a facilitar seu acesso e localização dentro do Portal.

Descrição Documental

Cada um dos documentos recebeu um código único e uma sucinta descrição em seus campos específicos de acordo com normas arquivísticas visando o acesso às informações do acervo, as quais estão disponibilizadas ao público virtualmente.

Digitalização

Os documentos já devidamente higienizados e organizados foram digitalizados em alta resolução para acesso ao conteúdo textual e imagético dos materiais a partir do Banco de Dados disponível no portal virtual, além de pedidos de reprodução via e-mail.

Anexação ao Portal “Acervo Antonio Nóbrega”

O já existente portal virtual “Acervo Antonio Nóbrega” que abriga a coleção digitalizada de Literatura de Cordel recebeu uma aba anexa chamada “Projeto Fortuna Crítica”, onde os documentos e mecanismos de busca avançada estão disponibilizados ao público pesquisador.

É com enorme prazer que tornamos este projeto possível com o Prêmio por histórico de realização em música do edital PROAC-LAB 42/2021.

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Este projeto recebeu o Prêmio por histórico de realização em música do edital PROAC-LAB 42/2021


Acervo de Cordel

Este acervo conta com o apoio do Edital de Apoio à Digitalização de Acervos - Secretaria Municipal de Cultura

Realização: